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No 2, 2008


Fantasmas Eróticos: uma Abordagem Anthropólogica

(Version française)

Guadalupe Brak-Lamy1, Ph.D.


Resumo 
Fantasmas eróticos: uma abordagem antropológica
O estudo dos comportamentos erótico-amorosos foi realizado em quatro espaços de congregação nocturna situados no centro de Lisboa (locais da movida lisboeta). Entrevistei (entrevistas aprofundadas, semi-dirigidas) 120 sujeitos (60 do sexo feminino e 60 do sexo masculino), com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos, pertencentes à classe média. Estes sujeitos têm diferentes estados civis: casados, separados, divorciados, solteiros e os que vivem em regime de coabitação. Os objectivos que pretendi atingir foram: a) caracterizar os fantasmas masculinos e femininos mais frequentes, tanto nos espaços de congregação nocturna (em Lisboa), como no contexto privado; b) analisar psico-socio-culturalmente as diferenças dos temas fantasmáticos dos homens e das mulheres com diferentes estados civis e pertencentes a diversos grupos etários. A minha abordagem baseia-se na teoria das funções dos fantasmas (Crépault, 1981, 1987) as teorias da aprendizagem social (Person et al. 1989) e a teoria do desenvolvimento do sistema de transformação sócio-histórico-cultural (Brak-Lamy, 2006). 

Abstract 
Erotic fantasies: an anthropologic perspective
The study of erotic and loving behaviours has taken place in four locations of nocturne congregation (bars), situated in the centre of Lisbon. I have interviewed 120 middle class individuals (60 women and 60 men), ranging from 18 to 65 years old. The interviewees presented different marital status: married, separated, divorced, single and people living together. My goal was: a) to characterise the most frequent masculine and feminine fantasies at the nocturne meeting places (Lisbon) and in the private context; b) to analyse psychologically, socially and culturally the differences between male and female fantasies, according to their marital status and age. My approach is anchored on the theory of the fantasies’ functions (Crépault, 1981, 1987), on the theories of social learning (Person et al., 1989; Olivier et Hyde, 1993) and on the theory of the development of the social, historic and cultural system transformation (Brak-Lamy, 2006).



INTRODUÇÃO

Este estudo faz parte da minha investigação de doutoramento sobre os comportamentos erótico-amorosos heterossexuais em contexto urbano nocturno2. Os comportamentos erótico-amorosos englobam os fantasmas eróticos e as estratégias de sedução3

O estudo dos comportamentos erótico-amorosos foi realizado em quatro espaços de congregação nocturna (bares nocturnos), situados no centro de lisboa (locais da movida alfacinha). Entrevistei (entrevistas aprofundadas)4 120 sujeitos (60 do sexo feminino e 60 do sexo masculino), com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos., pertencentes à classe média. Estes sujeitos têm diversos estados civis: casados, separados, divorciados, solteiros e vivendo em união de facto. As entrevistas foram realizadas nos espaços de congregação nocturna e em algumas esplanadas, durante um ano e meio, de Abril de 2000 até Outubro de 2001. 

No que diz respeito aos fantasmas eróticos, a questão que coloquei aos sujeitos que frequentam os espaços de congregação nocturna foi: quais eram os seus fantasmas eróticos quando eles estão no espaço público (bares nocturnos) e no espaço privado. 

Os objectivos que pretendi atingir foram: a) caracterizar os fantasmas masculinos e femininos mais frequentes vividos nos espaços de congregação nocturna (fantasmas secretos) e no contexto privado (fantasmas secretos e fantasmas partilhados); b) Analisar psico-socio-culturalmente as diferenças das temáticas fantasmáticas de homens e mulheres com diversos estados civis e de grupos etários. 

Esta investigação sobre os fantasmas eróticos é semelhante aos estudos realizados por Person 1996 et al (1996) e Hsu et al (1994), mas num contexto diferente (contexto universitário). Estes investigadores utilizaram inquéritos (quantitativos), a minha análise é baseada nas entrevistas exploratórias (qualitativas). 

Os trabalhos que Claude Crépault e a sua equipa5 levaram a cabo, em finais da década de setenta e nos anos oitenta, com o fim de analisar o conteúdo dos fantasmas masculinos e femininos, estão mais desenvolvidos que a presente investigação. 

Este estudo tem como fundamentação a teoria das funções dos fantasmas (Crépault, 1981, 1987), as teorias da aprendizagem social (Person et al, 1989; Olivier e Hyde, 1993) e a teoria do desenvolvimento do sistema de transformação sócio-histórico-cultural. (Brak-Lamy, 2006). 

O conceito de fantasma erótico é p reconizado por Crépault (1997) : «le fantasme érotique est produit de l`imaginaire et peut se présenter sous la forme d`une image mentale, d`une série d`images ou d`un scénario structuré, tout comme il peut se réduire à une impression intrasubjective » (p. 271). 

Relativamente à teoria dos fantasmas eróticos faremos referência à função hedonista e à função compensatória6. A teoria da aprendizagem social enfatiza a transmissão/construção sócio-cultural da identidade feminina ou feminilidade (como deve ser uma mulher) e a identidade masculina ou masculinidade (como deve ser um homem). A teoria da aprendizagem social está ancorada na matriz judaico-cristã. 

No que diz respeito ao desenvolvimento do sistema de transformação sócio-historico-cultural, faremos referência à expansão das diversas indústrias de consumo erótico, a progressiva expansão dos meios de comunicação de massa (media), a importância dos movimentos neo-feministas, a divulgação da contracepção oral (pílula) e o progressivo enfraquecimento do controlo dos pais relativamente ao comportamento dos filhos. 


FANTASMAS EROTICOS NO ESPAÇO PUBLICO: FANTASMAS SECRETOS 

Nos diferentes espaços de congregação nocturna estudados, alguns sujeitos (de ambos os sexos) revelaram-me os seus fantasmas secretos. As pessoas que imaginaram estes fantasmas não os revelaram a ninguém (só à antropóloga), pois esses fantasmas (intrapsíquicos) fazem parte da área secreta da sua vida. Este cenário é análogo ao da masturbação solitária em que a pessoa pode estar a imaginar fazer amor com uma outra, mas está a fazer amor com o seu próprio corpo. O sujeito fecha a porta do quarto ou da casa de banho e faz o que lhe apetece, mas não está lá ninguém, nem pais, nem mulher (ou marido), nem namorada(o) nem familiares, nem amigos, ninguém, nem sequer há uma câmara oculta a filmar. Portanto, o sujeito não se encontra sob o olhar do outro, podendo realizar fantasmas que representam um compromisso entre a actividade inibida e a projecção da iniciativa sobre o outro, enquanto executor, real ou simbólico, dos desejos “indizíveis” ou “irrealizáveis”. 


Fantasmas eróticos secretos masculinos 

Alguns fantasmas eróticos masculinos (sobretudos dos jovens celibatários, idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos e os divorciados, entre os 30 e os 45 anos), são impregnadas de dominação e de agressividade fálica7 (afirmar-se com virilidade). Vou relatar um desses casos:

«Um dos sujeitos, com quarenta e dois anos, referiu que quando estava sentado ao balcão (no “Mirror”), a beber o seu whisky viu uma jovem com cerca de vinte e cinco anos que passou muito perto do sítio onde ele se encontrava. Ele descreveu pormenorizadamente a sua indumentária e maquilhagem: «ela envergava uma mini-saia de cabedal preta, um top branco, meias de rede pretas, sapatos de salto alto de verniz, argolas de prata, fio de cabedal preto com cruz de prata pendente. Os lábios estavam pintados de vermelho e os olhos azuis apresentavam um risco de lápis preto na zona das pálpebras. Estas eram ainda decoradas com sombra lilás. O cabelo da rapariga era comprido, loiro dourado e apresentava pequenas tranças. O homem ficou fascinado com aquela fisionomia feminina: «A minha vontade era começar a conversar com ela e depois agarrá-la, mas não tive coragem. Então comecei a fantasiar que ela tinha ido ter comigo.» Ela encetou conversa com comigo, depois eu comecei a acariciar-lhe o cabelo, passando a mão direita pela cabeça, seguidamente, os ombros, depois os braços e, por fim, as pernas. Depois ela puxou-me violentamente contra o seu peito e arrastou-me para a casa de banho dos homens. Entrámos no exíguo compartimento que apenas tinha uma retrete e aí ela encosta-me contra uma parede e começa a fazer-me sexo oral. «Foi simplesmente maravilhoso», concluiu.» (Extracto do Diário de Campo, p.31).

Foram diversos os homens que nos relataram a fantasia lésbica. Vou referir um desses episódios:

«Um rapaz de vinte e três disse-nos: «Numa noite quente Setembro, resolvi sair sozinho. O dia tinha-me corrido mal, pois a nota do exame do curso de engenharia tinha sido muito baixa. Estudei tanto e só tive 9 valores. Nessa noite, sai de casa às vinte e três horas e dirigi-me para o meu espaço de congregação nocturna favorito, que passa música cubana. Escolhi uma mesa situada no piso superior. Uma empregada que usava calças de ganga claras elásticas, top branco e ténis também brancos perguntou-me o que desejava beber. Fiquei a olhar fixamente para o coração preto que ela tinha tatuado na zona abdominal e depois pedi uma cuba-libre. Quando ela me entregou a bebida eu voltei a olhar fixamente para a tatuagem. A rapariga foi-se embora e eu comecei a fantasiar que a encontrava num complexo turístico das Bahamas e que ela foi ter comigo quando ambos estávamos na piscina. Ela começou a olhar para mim e, depois, dá umas braçadas na minha direcção. Quando chega ao pé de mim roça devagarinho a zona abdominal tatuada contra as minhas costas. Eu virei-me e ela abraçou-me. Depois eu comecei a beijá-la: primeiro na boca, depois nas orelhas, seguindo-se o pescoço. Seguidamente puxei-a para fora da piscina e levei-a para o relvado onde estava a sua toalha. Deitei-a nela e comecei a lamber a tatuagem e toda a zona envolvente. Subitamente, aproxima-se de nós outra rapariga morena, muito alta. Eu puxei-a para o pé de nós e incitei as duas a fazer amor uma com a outra. Elas aceitaram. Fiquei a olhar para elas enquanto faziam amor. Era maravilhoso ver duas mulheres a amarem-se de forma frenética! Passados uns minutos, aproximei-me delas, meti-me entre as duas e comecei a fazer amor com elas.» (Extracto do Diário de Campo, págs. 29-30).

Sobre a fantasia lésbica8 corroboramos a opinião de Person (1996) ao referir que a importância da fantasia lésbica imaginada pelos sujeitos heterossexuais reside no poder que os homens sentem ao controlarem duas mulheres, sem terem que as repartir com outros homens. 

Nos dois casos descritos, o fantasma é uma extensão da realidade. 


Fantasmas eróticos secretos femininos 

Ao contrário dos fantasmas secretos masculinos, os fantasmas secretos femininos (sobretudo os das mulheres, com idades compreendidas entre os 20 e os 35 anos), no espaço privado não se reportam a cenários de agressividade fálica ou de ménage a trois, mas cenários de cariz romântico. Eis um exemplo de cenário romântico, em que o fantasma funciona como extensão a partir do real:

«Era um sábado do mês de Agosto. Cheguei ao espaço por volta da meia-noite acompanhada de mais duas amigas da mesma idade. Depois de entrarmos dirigimo-nos ao balcão e bebemos margueritas ao som de música espanhola. Digo espanhola porque essa era uma das noites em que se realizou o espectáculo de sevilhanas que começou à meia-noite em ponto. Comecei a olhar para um dos dançarinos: o mais alto e elegante. O espectáculo terminou à uma da manhã. A essa hora as minhas amigas foram dançar ao som das músicas latino-americanas. Eu não quis ir, permaneci a beber. Não parei de pensar naquele dançarino e comecei a fantasiar que ele tinha ido ter comigo. Ao chegar ao pé de mim, ele sorriu e depois pegou-me na mão direita, beijou-a suavemente e ofereceu-me uma resplandecente rosa vermelha.» (Extracto do Diário de Campo, 49).

Na generalidade, as diferenças de género relativamente aos fantasmas eróticos no espaço público, sugerem que grande parte das mulheres (sobretudo aquelas com idades compreendidas entre os 20 e os 35 anos), demonstraram uma forte preferência por fantasmas que reflectem uma intimidade emocional ou uma vulnerabilidade emocional9 (“gostar de conversar antes e depois de falar amor”, “ser protegida por alguém que se tornará seu parceiro”). Outros fantasmas femininos expressam um desejo de viver com o parceiro ou casar-se com ele e ter filhos. 

Por seu turno, os fantasmas masculinas, indicam a permanência de características de dominação e agressividade (“forçar o outro a fazer amor com ele, “incitar duas mulheres a fazerem amor para ele ver”, “fazer amor com uma mulher mais nova, desflorar uma rapariga). Isto está relacionado com os padrões culturais de masculinidade e feminilidade10

As diferenças entre fantasmas masculinos e femininos existem porque relativamente às mulheres (sobretudos as mulheres solteiras e as casadas entre os 25 e os 45 anos), o condicionamento cultural inculcado pelo modelo de pensamento judaico-cristão, através dos pais e da família, transmite a ideia de feminidade (como se deve ser mulher) «as mulheres não devem dissociar amor e sexualidade», ou ainda «os sentimentos amorosos servem para legitimar a atracção física e o prazer sexual». As mulheres são socialmente punidas (através de olhares intimidatórios e de reprovações verbais) por iniciar as relações sexuais aos 13 ou 14 anos, por terem múltiplos parceiros sexuais em simultâneo, ou ainda por terem parceiros sexuais ocasionais (apenas por algumas noites, ou por uma noite - one night stand. As mulheres devem apaixonar-se por um homem com quem terão filhos. 

Relativamente aos homens, a masculinidade (como se deve ser um homem) é transmitida desde tenra idade pelos pais. A masculinidade é sinónimo de ser sexualmente activo a partir da adolescência, ter uma boa performance sexual e diversas parceiras sexuais. Isto reforça a virilidade e confere prestígio a um homem. Este ponto de vista preconiza o duplo padrão ancorado na teoria da aprendizagem social. 



FANTASMAS EROTICOS NO ESPAÇO PRIVADO: FANTASMAS EROTICOS SECRETOS E FANTASMAS EROTICOS PARTILHADOS 

Os fantasmas eróticos no espaço privado são aqueles imaginados fora dos espaços de congregação nocturna, geralmente são experienciados na sua própria casa ou no domicílio do parceiro sexual. 

Fantasmas eróticos secretos masculinos 

Muitos dos homens casados (principalmente os situados na faixa etária entre os quarenta e os sessenta e cinco anos), disseram-nos que conseguem incrementar o desejo sexual pela sua esposa quando fantasiam ter relações sexuais com outra mulher que eles viram nos espaços de congregação nocturna, ou alguém com quem tiveram um relacionamento erótico-amoroso clandestino. O relato que se segue ilustra bem esta ideia:

«As relações sexuais com a minha mulher só são satisfatórias se eu conseguir fantasiar algo que já vivi com outra mulher ou que gostaria de ter vivido (...). Geralmente estas fantasias têm lugar antes e durante o acto sexual. Para mim elas servem de estímulo, funcionam como um lubrificante (...). Nunca disse à minha mulher que tenho fantasias sexuais com outras mulheres. Se lhe dissesse isso durante o acto sexual seria o fim, estragava tudo. Para quê estragar o que nos proporciona prazer?» (L., 57 anos, casado).

Os fantasmas facultam pois um «cenário para o desejo» (Laplanche e Pontalis, 1968, 1973, e 1990), funcionando, neste caso, como incremento do imaginário erótico. Este pode ser definido como a faculdade que o ser humano tem de se erotizar a partir de representações mentais conscientes ou inconscientes (Crépault, 1997). Salientamos duas funções dos fantasmas11 a) a função compensadora que se encontra por diversas vezes presente na vida de casal, quando o fantasma compensa uma “realidade” pouco excitante (ou seja, se a sexualidade conjugal se torna rotineira, algumas imagens podem conferir a ilusão da novidade e reavivar a excitação). b) função adaptativa: neste caso o fantasma erótico supre as carências da realidade, permitindo satisfazer, de uma forma ilusória, desejos eróticos irrealizáveis, corrigir uma realidade que não agrada (Crépault, 1997). 

Grosso modo, podemos afirmar que grande parte das fantasias são uma compensação para uma realidade que não satisfaz ou que falta. Em “A criação literária e o sonho acordado” (1989), Freud escreveu: «As forças motivadoras das fantasias são desejos insatisfeitos e todas as fantasias são realização de um desejo, uma correcção da realidade não satisfatória» (p. 149). 

Muitos sujeitos casados (sobretudo aqueles situados na faixa etária entre os quarenta e cinco e os sessenta e cinco anos) dizem manter uma área da vida privada da qual não faz parte a sua esposa. Para eles, o que se imagina e não se pratica não põe em risco o matrimónio, uma vez que não é exteriorizado:

«Gosto imenso de ter fantasias sexuais com outras mulheres (...) Não digo nada à minha mulher, ela não tem nada que saber (...). Tudo o que se fantasia e não se pratica não tem a mínima importância. Não é isso que me faz divorciar da minha mulher. Aliás, digo-lhe uma coisa: se não tivesse fantasias sexuais com outras mulheres, muito provavelmente já estava divorciado (...). Sem as fantasias sexuais a vida fica tão sem graça e os casamentos tornam-se tão cinzentos (...)» (P., 54 anos, casado).

O que este discurso deixa transparecer é que não existem relações satisfatórias, há sempre uma margem de frustração. E o que tende a acontecer é que diversos homens guardam na memória, como um fantasma erótico, uma recordação de prazer referente a um contacto sexual passado que aconteceu no seguimento de um encontro num dos espaços de congregação nocturna de Lisboa. Nestes casos, o momento erótico encontra-se isolado de qualquer relação de compromisso:

«Recordo-me de uma mulher casada dos seus trinta e cinco anos que foi para a cama comigo. Eu na altura também era casado e tinha trinta e oito anos. Foi uma noite maravilhosa. Ela proporcionou-me momentos de prazer intensíssimos (...). Fez sexo oral, sexo anal, sessenta e nove, enfim parecia uma acrobata. Não sei ao certo a idade dela porque não lhe cheguei a perguntar, mas sei o seu nome: chamava-se Joana. Foi a melhor mulher que eu tive na cama. Lembro-me de tudo: dos suspiros, dos gemidos, dos gritos, do rosto, das suas curvas e que curvas! Das suas mamas em forma de melão, do seu belo rabo. Lembro-me que o candeeiro era dourado e tinha a forma de uma flor e que a cama era de ferro pintada de dourado. (...). Já passaram sete anos e nunca mais me esqueci deste momento. Digo momento porque foi só uma noite (...). Encontrei-a num bar, ela estava com duas amigas e eu também tinha lá ido, acompanhado de um amigo meu. Dançámos meia hora, conversámos um bocadinho e, depois, fomos para uma pensão (...). Não trocámos palavras meigas ou românticas, foi sexo puro e duro. Nunca mais nos tornámos a ver, mas esse também não era o nosso objectivo» (A., 45 anos, divorciado).

Há homens casados (idades compreendidas entre os 45 e os 65 anos) que disseram que aquando das relações sexuais com as suas esposas, eles imaginam as aventuras sexuais com outras mulheres e estas recordações estimulam-nos a dizer palavrões às suas esposas durante o acto sexual. Deste modo, as suas mulheres são comparadas às prostitutas, sendo objectos sexuais rebaixados12

Os homens solteiros e os divorciados (sobretudo aqueles com idades compreendidas entre os 18 e os 45 anos) têm os seguintes fantasmas eróticos: ter os órgãos genitais oralmente estimulados, praticar sexo anal, praticar «o sessenta e nove»; ser masturbados, acariciar o peito feminino; ver outras pessoas a fazerem sexo; ter relações sexuais com uma mulher desconhecida; fazer sexo com duas ou mais mulheres (orgias); seduzir uma mulher e ser seduzido por uma mulher. Podemos concluir que o imaginário erótico dês homens baseia-se numa sexualidade extremamente genitalizada, reforçando a virilidade. 

Fantasmas eróticos masculinos partilhados 

No entanto, alguns homens casados dizem ter partilhado (realizado, no sentido de agir sexualmente) fantasmas eróticos com as suas esposas. Os fantasmas eróticos partilhados prestam-se à representação na zona de jogos privada, partilhada pelos amantes. Existem cenários ou pequenas peças em que os parceiros desempenham papéis complementares, um fingindo ser uma prostituta e o outro, um cliente, ou um desempenhando o papel de sádico e o outro de masoquista, e em que o fantasiador pode rodar os papéis alternando os papéis sádicos com os masoquistas numa relação13 (Person, 1996). Estes fantasmas conjuntos podem ter início quando um dos parceiros afirma: «Gostaria de saber como é ser amarrado» e o outro começa por segurá-lo) e depois acaba por amarrá-lo. Foi o que aconteceu a H (47 anos, homem de negócios, casado): «às vezes, quando estou com a minha amante, peço para ela me amarrar à cama (pés e mãos) e me vendar os olhos. Depois peço para ela ir para cima de mim, me bater em diversas partes do corpo. Não gosto de chicotes. Prefiro que ela me bate com as suas próprias mãos.» 

A aparente “anomalia” do fantasma não significa necessariamente que o fantasiador se sinta mal com ela. Este homem pode sentir-se completamente em paz com as suas fantasias masoquistas, encarando-as como um repouso bem-vindo da experiência diária de ser obrigado a mandar. 

De realçar que os sujeitos jovens (entre os 18 e os 30 anos) sobretudo os solteiros e os que vivem em união de facto, mencionaram fantasmas eróticos partilhados que se reportam à genitalidade do erotismo: praticar sexo anal; ser oralmente estimulado por uma mulher; ser masturbado por uma mulher e observar a mulher a masturbar-se. Estes fantasmas têm uma função de prazer ou hedonista: «le fantasme peut contribuer à l`éveil et à l`activation de l`excitation érotique, tout comme il peut faciliter le déclenchement de l`orgasme.» (Crépault, 1997, p. 301). 

De sublinhar que quase todos os homens entrevistados (idependentemente da idade e do estado civil) falam mais abertamente dos seus fantasmas sexuais que as mulheres. Neste aspecto, a generalidade dos homens entrevistados fala partilha mais com os amigos os seus fantasmas (fantasma partilhado homofílico) do que as mulheres. São ainda os homens que partilham - mais do que as mulheres -, os seus fantasmas com as suas parceiras sexuais (fantasma erótico partilhado heterofílico). 

Fantasmas eróticos femininos partilhados 

Existem mulheres (sobretudo as jovens solteiras com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos) que gostam de exercer o poder sobre os seus parceiros sexuais e dizem-lhes: «agora vou amarrar-te. Ficarás imóvel.»Nestes fantasmas as mulheres exercem controlo sobre as reacções e as emoções masculinas, invertendo os papéis. 

O inverso, isto é, o cenário masoquista de estar amarrada de pés e mãos e com os olhos vendados foi-nos referenciado com algumas mulheres. No dizer de uma entrevistada:

«Andei com uma fantasia que era a de ser amarrada (não propriamente com algemas) e sentir que não me podia mexer, o que para mim me custa imenso, porque sou uma pessoa que gosta de tocar e de agarrar. Estar amarrada de pés e mãos e não me conseguir soltar, ser explorada ao pormenor e sentir todo o meu corpo. O meu marido disse que também tinha essa fantasia e ele, depois, levou o mesmo tratamento (...). Outra fantasia que eu já experimentei com o meu marido foi ele simular que me estava a violar. Parece um bocado macabro mas eu gostei e repeti várias vezes.» (M., 34 anos, casada).

Algumas mulheres (especialmente as solteiras e as que vivem em união de facto, com idades compreendidas entre os 25 e os 35 anos), partilham os fantasmas (fantasma verbalizado e agido no real) com os seus parceiros sexuais, por vezes, para manter o interesse deles14 e/ou para ressuscitar uma relação amorosa que estava a dissipar-se. Aqui o fantasma exerce uma função compensatória:

«Já namorávamos há sete anos. As relações sexuais começaram a entrar numa rotina (...). Achei que o meu namorado estava a ficar farto de mim e perguntei-lhe o que se passava. Ele respondeu-me que devíamos variar mais ao nível sexual. Então, quando estava a ter relações sexuais com ele comecei a imaginar cenários paradisíacos15 e posições sexuais nas rochas de uma praia ou mesmo num outro planeta. Houve uma fantasia que ele gostou: fazermos o sessenta e nove quando saímos da nave e aterrámos em Marte. Nesse momento, fomos observados por uma enorme quantidade de marcianos que nos olhavam com curiosidade (...). A partir dessa altura nunca mais parámos de revelar as nossas fantasias sexuais. (...). Agora ele está mais calmo, irrita-se menos comigo. A nossa relação está muito mais estável.» (F., 29 anos, vive em união de facto)

Veio a saber-se que a História d` O se baseou numa fantasia que uma mulher passou a escrito com o objectivo expresso de convidar um homem a partilhá-la. Foi esta a sua estratégia para manter vivo o interesse do amante. Tal como «O» (cujo nome se sabe ser Dominique Aury) explicou ao escritor John De St. Jorre: «O que podia eu fazer? Não sabia pintar nem escrever poesia. O que podia eu fazer para o prender?» (Dominique Aubry, apud, John Jorre, 1970, p. 43).

A chave para a resolução deste dilema tem um toque de Xerazade:

«Porque ela sabia que ele [o amante Paulhan] era admirador do Marquês de Sade e escrevera uma introdução erudita às suas obras, começou a trabalhar sobre as suas próprias fantasias sexuais que, segundo disse, tinham começado durante a sua solitária adolescência. A conjugação dos gostos de Paulhan e das suas fantasias deu-lhe a ideia de escrever qualquer coisa.» (idem, p. 45).

A crítica literária Jacqueline Rose (1993) oferece um argumento persuasivo quanto à razão pela qual as fantasias sadomasoquistas não devem ser menosprezadas:

«Nunca fez parte da argumentação feminista a ideia de que, pelo facto de uma imagem de feminilidade ser identificada com uma fantasia masculina, ela seja menos intensamente vivida pelas mulheres. Inversamente, o facto de uma mulher descobrir algo como componente da sua própria auto-imagem não significa que isso não possa igualmente ser objecto, ou mesmo produto, da mais louca projecção masculina, repulsa ou desejo: Quem possui o quê? Quem dá o quê a quem? Porque a fantasia brinca com a organização dos géneros, a fantasia masoquista pode domar, inverter ou montar a realidade percepcionada.» (Rose, 1993, p. 128-29)

São diversas as mulheres (sobretudo as jovens solteiras com idades compreendidas entre os 25 e os 35 anos), que partilham com os seus parceiros o fantasma exibicionista. Como me relatou uma entrevistada: «Por vezes digo ao meu parceiro namorado para me imaginar com uma mini saia preta, uma blusa decotada e sapatos de salto alto» (M., 21 anos, solteira). 

Os fantasmas exibicionistas partilhados são característicos das mulheres, respondendo à necessidade de se sentirem admiradas e de serem valorizadas. A feminidade está presente: as raparigas aprendem desde tenra idade a realçar a sua fisionomia através do vestuário, dos ornamentos corporais e da maquilhagem. Através destas formas de sedução elas tentam obter o que pretendem dos homens. Por vezes, este ascendente confere-lhes um poder que as estimula sexualmente. Nos fantasmas exibicionistas de striptease ou de sedução do sexo masculino através da ostentação de mini saias e da maquilhagem acentuada, as mulheres aparecem como “a mulher fatal”, o contrário da mulher casta, esposa e mãe. 

As mulheres (sobretudo as jovens solteiras partilham ainda outros fantasmas16 com os seus parceiros: fazer amor em frente ao espelho; ser sensualmente acariciada no em diversas partes do corpo; ser abraçada; abraçar o parceiro; praticar sexo oral (fellatio) e ser oralmente estimulada pelo parceiro (cunnilingus); acariciar o peito do seu companheiro e ser acariciada no peito pelo parceiro. Estes fantasmas têm uma função hedonista. 

Fantasmas eróticos secretos femininos 

O discurso veiculado por diversas mulheres (sobretudo as casadas pertencentes à faixa etária entre os 40 anos e os 65 anos) transmite a ideia de que a maior parte delas prefere viver as impressões intrapsíquicas sobre a forma de imagens que guardam para si, por receio ou vergonha de as partilharem com os seus parceiros sexuais17:

«Nunca falo das minhas fantasias sexuais com o meu marido porque tenho medo que ele me pense que eu sou uma depravada (…). Às vezes, também tenho vergonha de dizer certas coisas, sei lá, sou um bocado acanhada e não digo, mesmo que me apeteça. (I., 42 anos, casada). 

A maior parte das mulheres casadas (idades compreendidas entre os 40 e os 65 anos) imaginam fantasmas secretos no espaço privado que não englobam os seus maridos, mas sobretudo homens desconhecidos: Estes fantasmas são: fazer amor com um homem mais novo; masturbar um homem; ser sensualmente tocada no corpo por um homem; ser seduzida por um homem, seduzir um ou vários homens, especialmente através do striptease. Este último fantasma remete-nos para o controlo da mulher sobre o homem. Neste fantasma exibicionista a mulher dirige as operações e decide o desenrolar e o fim do espectáculo. Como nos diz Pittet (2005 : 35): «Par l`exhibition de son corps, elle tient ces hommes à sa merci et cela ne manque pas de lui procurer une grande satisfaction.»18 Isto tende a inverter19 os modelos da identidade de género, pois neste contexto a mulher tem um papel de dominação. Como já sublinhámos, estas mulheres não estão em conformidade com o modelo tradicional20 de feminidade: não seduzir, ser seduzida para casar e ter filhos. 

Mas a inversão da identidade feminina tradicional é feito sobretudo pelas mulheres solteiras, as mulheres que vivem em união de facto e as divorciadas (idades compreendidas entre os 18 e os 40 anos). Esta inversão encontra-se marcadamente presente nos fantasmas secretos imaginados por estas mulheres em contexto privado, nomeadamente: seduzir e ser seduzida por vários homens sobretudo através do striptease ou da lingerie, praticar sexo oral (fellatio), praticar o «sessenta e nove»; fazer amor com vários homens (orgias); fazer amor com um desconhecido; masturbar-se para o parceiro observar; observar o parceiro a masturbar-se. 

Esta inversão da identidade feminina tradicional evidenciada nos fantasmas secretos – das jovens solteiras, das mulheres que vivem de facto e das mulheres divorciadas - , experienciados fora dos espaços de congregação nocturna, pode ser explicada pelas diversas transformações sócio-culturais que tiveram visibilidade em Portugal, especialmente no final da década de setenta e nos anos oitenta, após a revolução de Abril de 1974, revolução essa que assinalou o fim de um regime ditactorial. Estas transformações estão associadas a um certa liberalização tanto ao nível das normas tradicionais, como ao nível dos comportamentos sexuais das mulheres. 

Os factores que facilitaram estas transformações de liberalização dos comportamentos sexuais de certas mulheres foram: 

- a divulgação da contracepção oral (pílula) que possibilitou separar a sexualidade da reprodução; 

- os movimentos neo-feministas que defenderam a igualdade de oportunidades para as mulheres, sobretudo no contexto do trabalho e da educação. Relativamente à esfera sexual, os movimentos neo-feministas reivindicam o direito da mulher ao prazer sexual e proclamam a autonomia feminina; 

- A expansão dos meios de comunicação de massa que em muitos casos veiculam a erotização da vida quotidiana, especialmente através da publicidade, a televisão, a rádio, a imprensa e o cinema; 

- O desenvolvimento do consumo das indústrias de cariz erótico: indústria de corporeidade (prática de exercícios físicos, venda de diversos produtos de maquilhagem, venda de produtos dietéticos, cirurgias plásticas, lipoaspirações, entre outras); 

- Difusão da indústria do vestuário ligada à moda (minisaias, blusas e vestidos decotados, t-shirts muito curtas, entre outros); 

- A proliferação de sex-shops, de revistas e de filmes de cariz erótico e pornográfico (nos clubes de vídeo/dvds), dos bares, pubs e discotecas; 

- O progressivo enfraquecimento do contro dos pais relativamente ao comportamento sexual dos filhos. De assinalar: com quem saem e para onde vão; quais são os seus parceiros sexuais e quais são as suas práticas sexuais. 

O que se observa actualmente é uma transferência do imperativo de fidelidade dos pais para o grupo de pares. Este último dita as condutas, as normas e as regras, incitando certos comportamentos. Por exemplo, na adolescência, os sujeitos sentem-se muitas vezes pressionados pelo grupo de pares para terem encontros de cariz sexual (Adelson, 1980). No entanto, estas pressões do grupo de pares não são características apenas dos adolescentes. 



CONSIDERAÇÕES FINAIS
 

Depois do que foi exposto, podemos concluir que os dados nos permitem levantar a hipótese de existem algumas diferenças e semelhanças de género muito importantes, cuja existência, causas, abrangência e significado merecem ser estudados em profundidade. 

As diferenças de género mais significativas encontram-se sobretudo no espaço público. Aqui, os fantasmas masculinos secretos (sobretudo os imaginados pelas jovens solteiras com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos e as divorciadas entre os 30 e os 45 anos), estão em conformidade com o modelo tradicional de masculinidade e sugerem a dominação e a agressividade fálica: forçar o outro a ter relações sexuais com ele; incitar duas mulheres a fazer amor para que ele as possa observar (fantasma lésbico); fazer amor com duas mulheres; seduzir e fazer amor com uma mulher mais jovem do que ele e desflorar uma mulher. 

Os fantasmas secretos que as mulheres imaginam quando se encontram no espaço público também estão em conformidade com o modelo tradicional de feminidade. As mulheres (sobretudo as solteiras com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos e as divorciadas entre os 30 e os 45 anos), dizem imaginar fantasmas que reflectem uma intimidade emocional: gostar de conversar antes e depois de fazer amor, tocar/beijar docemente, ser tocada/beijada docemente, gostar de receber flores e andar de mão dada com o parceiro. Outros fantasmas femininos sugerem a ideia de conjugalidade e de reprodução: viver com o parceiro ou casar-se com ele e ter filhos dele. As mulheres referem ainda fantasmas que reflectem uma certa vulnerabilidade emocional: ser protegida por alguém que é seu parceiro erótico-amoroso. 

No contexto privado, no que diz respeito aos fantasmas masculinos e femininos secretos (que são sobretudo fantasmas imaginados), as diferenças são fundamentalmente ao nível dos sujeitos casados (idades compreendidas entre os 40 e os 65 anos). Relativamente aos homens casados, os fantasmas secretos servem para compensar uma relação conjugal rotineira e pouco estimulante. Quando eles fazem amor com as suas esposas, eles imaginam que estão a fazer amor com as mulheres que conheceram nos espaços de congregação nocturna (relações clandestinas, ocasionais). Alguns sujeitos estão de tal forma estimulados que no momento de alusão aos fantasmas, eles dizem palavrões às suas esposas. No entanto, estes homens não dizem às suas esposas quais são os seus fantasmas secretos. 

A contrario, as mulheres casadas (40-65 anos) gostam de imaginar fantasmas secretos, quando elas estão sozinhas. Estes fantasmas não se reportam aos seus maridos, mas a homens desconhecidos, imaginados por elas. Ao contrário da maior parte dos homens, estas mulheres disseram-nos quais eram os seus fantasmas secretos. Estes fantasmas são: fazer amor com um homem mais jovem; masturbar um homem; ser masturbada por um homem; acariciar o corpo masculino; ser seduzida por um homem e seduzir um ou vários homens, sobretudo através do striptease (fantasma exibicionista, que evidencia uma estratégia feminina de poder). 

No que diz respeito aos fantasmas secretos imaginados pelas mulheres e pelos homens solteiros, os que vivem em união de facto e os divorciados (idades compreendidas entre os 18 e os 45 anos), verificamos que os seus fantasmas são semelhantes aos fantasmas femininos. Excepção feita ao fantasma masculino voyeurista (ver outras pessoas a fazerem amor, sobretudo duas mulheres), ao fantasma masculino que se reporta ao fazer sexo anal e ao fantasma feminino exibicionista (seduzir um ou vários homens através do striptease). Os homens imaginam fantasmas que enfatizam a sua masculinidade (actividade, dominação, desinibição): ter os órgãos genitais oralmente estimulados (sexo oral); fazer sexo anal; fazer o «sessenta e nove», ser masturbado; acariciar os seios de uma mulher; observar outras pessoas a fazer amor, principalmente duas mulheres, fazer sexo com uma mulher desconhecida; fazer sexo com duas ou mais mulheres e seduzir uma mulher e ser seduzido por uma mulher. 

A contrario, as jovens solteiras, as mulheres que vivem em união livre e as divorciadas, têm fantasmas (sobretudo imaginados, mas alguns também vividos) que invertem a identidade feminina tradicional (castidade, passividade, inibição), nomeadamente: seduzir e ser seduzida por diversos homens; seduzir sobretudo pela lingerie e pelo striptease; praticar sexo oral; fazer o «sessenta e nove»; fazer amor com diversos homens; masturbar-se para o parceiro observar e observar o parceiro a masturbar-se. 

Colocamos uma questão: porque é que são sobretudo os fantasmas secretos imaginados pelas mulheres (jovens solteiras, pelas que vivem em união de facto e pelas divorciadas), que invertem a identidade feminina? Pensamos que a causa reside nas diversas transformações sócio-culturais já mencionadas. No entanto, é de sublinhar que estes fantasmas secretos femininos não são partilhados, devido à matriz judaico-cristã que modela os comportamentos dos sujeitos e funciona como uma auto-censura relativamente à partilha de fantasmas. Estas mulheres têm medo, vergonha e são tímidas. Mas podemos ressaltar a seguinte hipótese: existem duas versões de feminidade,- a «madona» e a «anti-madona» - e estas mulheres só expressão a versão «anti-madona» em contexto privado e secreto. Esta tendência é menos evidente nas mulheres casadas, pois a conjugalidade reforça a versão «madona» e inibe a «anti-madona». 

Os fantasmas secretos masculinos são extremamente genitalizados, reportando-se ao fazer sexo com diversas mulheres, reforçam a virilidade e conferem prestígio sobretudo no seu do grupo de pares. 

Os fantasmas masculinos e femininos partilhados em espaço privado revelam algumas diferenças de género: os fantasmas masculinos sado-masoquistas são experienciados sobretudo pelos homens casados (idades compreendidas entre os 40 e os 65 anos) e têm uma função compensatória relativamente ao quotidiano diurno (trabalho). As mulheres casadas e as que vivem em união de facto (mais jovens que os homens, idades compreendidas entre os 25 e os 40 anos), vivem este tipo de fantasmas (sado-masoquistas), mas para elas os cenários sado-masoquistas têm sobretudo uma função hedonista. 

Os fantasmas masculinos partilhados dos jovens (solteiros e os que vivem em união de facto), reportam-se sobretudo ao erotismo genitalizado e têm uma função hedonista. A contrario, os fantasmas partilhados das jovens solteiras (25-35 anos), têm uma função compensatória ligada à rotinização dos comportamentos erótico-amorosos, ou ligada a uma falta/diferença de desejo: As jovens solteiras (18-35 anos) partilham outros dois fantasmas, fantasmas esses que são característicos das mulheres: o fantasma exibicionista e o fantasma de permanecer numa ilha paradisíaca um cenário exótico. 

Por último, ressaltamos o facto de que, ao contrário da maior parte das mulheres, quase todos os homens (independentemente da idade e do estado civil), não mencionaram os fantasmas referentes ao tocar sensualmente (acariciar) o corpo de uma mulher, à excepção do acariciar os seios. Numa sociedade como a nossa, as trocas afectivo-corporais (e verbais) masculinas são desencorajadas sob pretexto de que não são símbolos de virilidade. Para as mulheres, é o contrário: elas são geralmente mais sensíveis às demonstrações de ternura na expressão do seu erotismo e, ao contrário da maioria dos homens, para muitas mulheres o acto sexual não é o objectivo principal de um relacionamento amoroso. 

Acrescente-se ainda o facto de que diferenças significativas relativamente à vivência dos fantasmas eróticas pelo género masculino e feminino, poderem vir ser encontradas em populações diferentes, com níveis sócio-económicos e culturais mais elevados ou mais baixos do que a população alvo do presente estudo.





NOTAS


1. Antropóloga a realizar uma investigação de pós-doutoramento em Antropologia Social e Cultural (Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia) no CEMME (Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas), Universidade Nova de Lisboa/Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Av. De Berna, nº 26 C, 1069-061 Lisboa, Portugal, e-mail: guadalupe.lamy@gmail.com

2. Cf. Maria de Guadalupe Brak-Lamy, «Da magia da noite à magia/desencanto da cama. Para uma interpretação antropológica dos comportamentos erótico-amorosos heterossexuais em contexto urbano nocturno. Dissertação de Doutoramento em Antropologia Cultural e Social, 2006, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

3. As estratégias de sedução são formas de interacção erótica que englobam a exibição corporal, os olhares, os sorrisos, as palavras/conversas, as carícias, os abraços e os beijos.

4. A interpretação das entrevistas baseia-se no modelo da análise de conteúdo. (Bardin, 1977 ; Vala, 1986 et Laville et Dionne, 1999).

5. Crépault, Claude. L`imaginaire érotique et ses secrets ; Sillery Québec, PUQ, 1981.

6. «Le fantasme érotique remplit plusieurs fonctions. La fonction plus évidente st la fonction de plaisir : le fantasme peut contribuer à l´ éveil et à l`activation de l`excitation érotique, tout comme il peut faciliter le déclenchement de l`orgasme. À L´abri du regard social, il donne plus facilement accès à des plaisirs interdits. Dans sa fonction compensatoire, le fantasme permet de suppléer les insuffisances du réel : il corrige une réalité insatisfaisante, limitative ou inaccessible : Il peut aussi pallier les effects de la «routinisation», de l`usure érotique conjugale.» (Crépault, 1997 : 301).

7. «(…) l´agressivité phallique réfère à l`ensemble des conduites (fantasmatiques ou réelles) visant à démontrer la puissance virile et à imposer une domination intersexuelle et intrasexuelle. Cette affirmation virile peut être fondée simplement à travers la symbolique pénienne : le pénis devient phallus, emblème de puissance (ou de impuissance lorqu`il ne peut remplir sa fonction). La conduite agressive phallique peut être encore plus symbolique en se manifestant à travers la gestuelle, l`habillement, le choix de l`automobile, etc. La visée est la même : dominer par sa force virile (ou masquer une fragilité de son identité masculine ou de ses capacités physiologiques génitales.» (Idem : 59)

8. Alguns homens mostram-se abertos à fantasia lésbica, no entanto, não a evocam realmente, isto é, sentem-se excitados com a imagem de duas mulheres que têm relações sexuais, muitas das vezes quando estão a ver filmes pornográficos. Outros sujeitos conjuraram-na propositadamente como factor de excitação sexual.

9. Person et al. (1989), já tinham encontrado esta característica em mulheres universitárias. Não nos podemos esquecer, que no caso do estudo destes autores, trata-se de mulheres norte-americanas, pertencentes à classe média-alta. Estamos perante um contexto sóco.-económico-cultural bastante diferente do português.

10. No estudo por mim desenvolvido (Brak-Lamy, 2006), verifiquei que existe uma forte associação da masculinidade com o poder relacionado com o controlo da sexualidade feminina e com a rivalidade entre homens. Por seu turno, a feminilidade está ligada à percepção da sexualidade como um canal de afectos e em alguns casos, à importância da sexualidade associada à maternidade. Isto não quer dizer que não tenha encontrado no meu estudo mulheres extremamente competitivas entre si. Algumas mulheres também apresentavam características de rivalidade (no contexto da sedução) para com o sexo oposto.

11. Para uma informação mais detalhada sobre as características e as funções das fantasias sexuais, cf. Crépault, L `Imaginaire erótique et ses secrets, 1981 e Pasini e Crépault, L`Imaginaire en sexologie clinique, 1987.

12. «(…) Presque toujours l`homme se sent limité dans son activité sexuelle par le respect pour la femme et ne développe sa pleine puissance que lorsqu`il est en présence d`un objet sexuel rabaissé (…)» (Freud, [1912] 1969 :61)

13. As fantasias e as práticas sado-masoquistas são jogos de poder que podem envolver dominação verbal e física (Person, [1995] 1996).

14. Por vezes, o problema reside na diferença de desejo. A mulher pode ter menos desejo que o seu parceiro sexual e usa as fantasias para incrementar o seu desejo sexual. Wendy Maltz e Suzie Boss (1997) afirmam que: «Some women use fantasy to help them even out a difference in desire within their relationship. When one partner wants to have sex more frequently than the other, fantasy can help boost the sexual appetite of the less interested partner.» ( 1997: 86)

15. «Many women increase desire by imagining they are having sex in a more romantic place than where they usually make love. Women frequently describe secluded island beaches, remote cottages, or sumptuous hotel rooms (…)» (idem: 87)

16. Por vezes, as mulheres comunicam (verbalizam os seus fantasmas aos seus parceiros sexuais (fantasma imaginado partilhado). Outras vezes, as mulheres experienciam os fantasmas com os seus parceiros sexuais (fantasmas realizados).

17. Wendy Maltz e Suzie Boss na obra In the garden of desire. Understanging the intimate world of women`s sexual fantasies (1997), apontam algumas explicações relativamente ao facto de certas mulheres não quererem partilhar as suas fantasias sexuais. «The reasons so many women keep quiet about their fantasy lives vary widely, but often reflect personal privacy issues or fear of a partner`s reaction. (…) it`s common for women to feel embrassed about them, protective of them, or shy about revealing them (…). When women keep their fantasies private, they don`t have to worry about their fantasies becoming contaminated by a partner`s potentially negative judgment or misguided interpretation. Without distraction, a fantasy can continue to serve as a highly personal creative outlook. Not discussing a fantasy may help preserve erotic charge and potential. » (1997: 215-218)

18. Quelques jeunes vivennt en union libre acceptent et pratiquent le mariage ouvert (open marriage) et le swinging).

19. Podemos interpretar esta inversão como uma expressão de uma da versões da feminidade: a «anti-madona». A outra é a «madona».

20. A identidade feminina tradicional corresponde à «madona» e não à «anti-madona».




BIBLIOGRAFIA

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